Ao excluir contas e páginas de servidores ligados à família Bolsonaro e a membros do PSL, o Facebook chamou novamente a atenção para o uso de sua plataforma como meio de aumentar artificialmente o alcance de publicações. Em comunicado sobre a decisão, a empresa deixou claro que a retirada dos conteúdos não tinha relação com a disseminação de notícias falsas, e sim com o uso de perfis duplicados ou com informações fictícias.
Os proprietários das contas e páginas excluídas têm ligação com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ou os deputados estaduais do Rio de Janeiro, Alana Passos (PSL) e Anderson Moraes (PSL). De acordo com o Facebook, a exclusão aconteceu por conta de um comportamento inautêntico e coordenado.
A decisão da empresa pode influenciar os trabalhos da CPMI das fake news. No Congresso, quatro requerimentos aguardam a apreciação de parlamentares para pedir ao Facebook o compartilhamento de informações sobre contas e páginas removidas. Um deles é do presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, senador Angelo Coronel (PSD-BA).
No requerimento 473/2020, Coronel propõe que a CPMI das fake news solicite “os sigilos dos registros de criação, de conexão e de acesso” de contas, páginas e grupo excluídos pela empresa, bem como a “preservação do conteúdo” veiculado por seus proprietários. O documento também prevê o questionamento sobre as razões que levaram à decisão da plataforma.
Em sua justificativa, o senador afirma que a exclusão das contas no Facebook mostra que a CPMI das fake news está atuando no caminho certo para o combate à desinformação. Criada em julho de 2019, a comissão foi anunciada como um meio de “investigar os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público, além da criação de perfis falsos para influenciar as eleições“.
Coronel, que também foi relator do PL das fake news no Senado, se envolveu em polêmica em setembro de 2019 ao anunciar que prenderia quem tem perfil falso. À época, a assessoria do senador afirmou que a declaração era força de expressão para evidenciar a necessidade de um tratamento mais duro contra quem comete crimes por meio de perfis supostamente anônimos.
O requerimento 472/2020, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vai além da identificação e do conteúdo das contas e páginas removidas. O documento prevê a solicitação de dados cadastrais, incluindo data, hora, e-mail, nome, número de celular e endereço de IP usados no cadastro. O pedido também inclui o histórico de login e a publicidade contratada por contas e páginas, incluindo valores e responsáveis pelo pagamento.
O requerimento 474/2020, do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também inclui a solicitação da lista completa de contas e páginas removidas e de dados dos titulares. Autor do PL das fake news, o parlamentar questiona ainda como o Facebook chegou aos responsáveis, como era a interação entre contas e páginas removidas, qual era o engajamento (números de visualizações, curtidas e compartilhamentos) e qual foi a conduta irregular específica cometida por cada conta.
Por fim, há o requerimento 475/2020, do deputado federal Rui Falcão (PT-SP), que pretende solicitar o conteúdo das páginas removidas pelo Facebook por conta do “comportamento inautêntico coordenado”. Novamente, é importante ressaltar que os quatro requerimentos ainda não foram apreciados no Congresso.
O comportamento inautêntico é o termo usado pelo Facebook para impedir usuários de falsificarem suas identidades, usarem contas falsas, aumentarem artificialmente a popularidade do conteúdo que publicam ou se envolverem em comportamentos com o objetivo de induzir violações de acordo com os Padrões de Comunidade.
A política da plataforma explicita que os usuários não podem usar várias contas, nem encobrir a finalidade de páginas ao enganar usuários sobre quem a controla. Os termos também proíbem o uso (coordenado ou não) de contas, páginas, grupos ou eventos para confundir pessoas ou o próprio Facebook sobre a identidade que representam ou a popularidade de um conteúdo. No comunicado sobre a exclusão de contas e páginas, a empresa afirmou que:
A atividade incluiu a criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de Páginas fingindo ser veículos de notícias. Os conteúdos publicados eram sobre notícias e eventos locais, incluindo política e eleições, memes políticos, críticas à oposição política, organizações de mídia e jornalistas, e mais recentemente sobre a pandemia do coronavírus.
Os detalhes da rede de contas falsas foram apresentados em um artigo do Digital Forensic Research Lab (DFRLab) do Atlantic Council. Em parceria com o Facebook, o grupo analisou 80 páginas ou contas antes que elas fossem removidas. Por meio de propriedades em comum, dos seguidores e dos padrões de curtidas, o grupo confirmou a existência de contas duplicadas ou falsas.
Parte da rede removida pelo Facebook teria sido criada antes da eleição presidencial de 2018. Elas seriam controladas por pessoas em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.
O DFRLab afirma que a página “Bolsonaro Opressor 2.0”, uma das removidas pelo Facebook, foi criada por Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial do presidente Jair Bolsonaro e ex-auxiliar de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ). Além disso, o e-mail de Tércio foi ligado à página no Instagram “@bolsonaronewsss”, que também foi excluída pela plataforma.
A apuração do DFRLab apontou ainda que Paulo Eduardo Lopes, conhecido como Paulo Chuchu, era outro operador da rede de contas falsas. Secretário parlamentar do deputado federal Eduardo Bolsonaro, ele é apontado como proprietário da página “The Brazilian Post”, removida do Facebook e do Instagram. A remoção incluiu duas contas em nome de Eduardo Guimarães, outro secretário parlamentar de Eduardo Bolsonaro.
O comportamento inautêntico também envolvia a página “Bolsoneas”, que até então era mantida no Facebook e no Instagram por Leonardo Rodrigues de Barros Neto. Ele trabalhou ao menos até abril de 2020 na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) como assessor parlamentar da deputada estadual Alana Passos.
Leonardo é namorado de Vanessa Navarro, que foi nomeada assessora parlamentar no gabinete do deputado estadual pelo Rio de Janeiro, Anderson Moraes. Leonardo e Vanessa tinham, juntos, ao menos 13 contas no Facebook ou no Instagram que exibiam pequenas variações de seus nomes.
O uso de contas duplicadas também foi feito por um funcionário da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). Jonathan Benetti está registrado como secretário especial parlamentar do deputado estadual por São Paulo, Coronel Nishikawa. De acordo com o DFRLab, Jonathan matinha ao menos sete contas no Facebook, também com variações de seu nome.
O grupo removido pelo Facebook é o “Notícias de São Bernardo do Campo”, que tinha como administradores a página “The Brazilian Post”, uma das contas de Jonathan Benetti e uma conta em nome de Fábio Muniz. Esta conta, porém, isava como foto de perfil a imagem de uma pessoa da Nova Zelândia. O Facebook afirmou que também havia ligação da rede de contas falsas com Flávio Bolsonaro, mas o DFRLab indicou não ter encontrado indícios que a ligassem ao senador.
Ao todo, o Facebook removeu 35 contas, 14 páginas com um total de 883 mil seguidores e um grupo com 350 pessoas. A empresa também identificou que elas tiveram despesa de US$ 1.500 com anúncios na rede social. No Instagram, foram excluídas 38 contas que totalizavam 917 mil seguidores.
Capa – Arte: Henrique Pochmann/Tecnoblog / Foto: Isac Nóbrega/PR
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