domingo, 1 de novembro de 2020

Overdose de comunicação a distância | Comportamento | Tecnoblog

Overdose de comunicação a distância (Imagem: Henrique Pochmann/Tecnoblog)

Os meios digitais de comunicação vieram para facilitar a vida das empresas e dos trabalhadores. Será que a pandemia, o excesso de isolamento, a overdose de comunicação a distância feita em qualquer momento, podem estar afetando o dia a dia dos profissionais?

O Tecnoblog foi procurar respostas para essas perguntas sob a ótica dos envolvidos: uma psicóloga que atua na área de RH, um profissional que passou a atuar integralmente em home office e empresas que passaram a dar mais ênfase no meio online do que no presencial.

A comunicação a distância está mudando todo o conceito de trabalho como conhecemos no Brasil, com um crescimento massivo após o início da pandemia do COVID-19. A psicóloga Karen Salles, 33 anos, além dos atendimentos, trabalha em uma grande empresa do ramo de alimentos. Ela é uma boa referência para começar a nossa investigação.

Como o número de reuniões online cresceu muito no período de isolamento, perguntei a profissional de RH se ela acredita que essa é uma mudança temporária ou a nova realidade do mercado.

Karen foi direta em sua análise:

“Mesmo estando num contexto atípico de pandemia as equipes e gestores puderam também perceber seus benefícios, tais como a redução de custos e tempo de deslocamento para reuniões presenciais.”

Para as empresas os custos foram reduzidos, principalmente para as que atuam espalhadas pelo Brasil ou até internacionalmente. Nesse aspecto, até empresas menores estão vendo com bons olhos essa mudança porque o atraso por deslocamento foi praticamente extinto.

Reuniões presenciais (Imagem: Christina wocintechchat.com/Unsplash)

Ainda é muito cedo para termos dados que comprovem o quanto a mudança nas operações de trabalho está afetando o emocional do trabalhador. O que temos são algumas queixas, de pessoas  ultrapassando de sua carga horária padrão ou tendo reuniões em excesso. Ainda são situações pontuais, aparentemente. 

Karen Salles, atuando na área de RH diz ter observado, em uma visão geral do mercado, o aumento da ansiedade nos trabalhadores. Não necessariamente por questões laborais, mas pelo cenário geral. Segundo lista ela, “isolamento, cautela contínua para não exposição ao vírus, distanciamento social, privação de convívio com a família, lutos, cortes de postos de trabalho e aumento do desemprego, prejuízo financeiro e fechamento de empresas” são alguns dos motivos.

A pressão externa exercida pelos fatores que não temos controle, indiscutivelmente aumenta os casos de ansiedade e depressão, de estágios mais leves até os mais graves.

Todos os ingredientes de um cenário extremo como a pandemia, parecem facilitar esse tipo de doenças ou distúrbios psicológicos. Suspeita confirmada por Karen ao Tecnoblog:

“Cenários como a pandemia, são situações extremas que elevam a demanda por atendimentos psicológicos. O CFP- Conselho Federal de Psicologia, nos meses de março e abril recebeu em torno de 51 mil novos pedidos de certificação para atendimento de profissionais para realizarem consultas online.”

A psicóloga ainda lembra que das demandas por atendimento que pode observar de março a setembro deste ano, eram em sua maioria relacionadas a questões de luto e depressão.

Uma série de recomendações são feitas pela psicóloga para que as empresas busquem minimizar os danos causados por essa situação atípica. Entre as principais estão o respeito à jornada de trabalho, a reserva de tempo do gestor para tratar direto com cada funcionário, individualmente, escutando e acolhendo as demandas pessoais de cada um.

Atenção personalizada do gestor (Imagem: Dylan Ferreira/Unsplash)

 Essa é uma iniciativa importante, tendo em vista que muitos funcionários estão passando por momentos de perdas, doenças e adaptação à nova realidade de trabalho. Com um pouco de atenção individualizada, os problemas e danos podem ser minimizados.

“Reuniões em excesso ainda que presenciais, comprometem a produtividade dos times de trabalho, mas, reuniões pontuais e com temas relevantes ajudam na manutenção de um relacionamento saudável entre a empresa e os funcionários, uma vez que são ferramentas de alinhamento de metas, objetivos, planejamento, colaboração de idéias, comunicação e desdobramento de informações para o colaborador e do colaborador para os líderes e clientes.”, explica a profissional de RH ao Tecnoblog.

Os sintomas de exaustão surgem da perda de referencial do funcionário privado do  ambiente de trabalho. A casa e o escritório passaram a ficar no mesmo local. Nesse cenário, Karen diz que é preciso, fora do expediente, buscar atividades que proporcionem prazer e relaxamento. “Como iniciativa do colaborador, podemos citar a práticas de exercícios físicos, yoga, meditação, leituras ou mesmo a práticas de atividades lúdicas como: Desenho, música, costura, entre outras atividades manuais.”

Esses momentos de lazer ajudam a focar em outra coisa além do trabalho, reduzindo a sensação de “trabalho constante”.

É preciso relaxar (Imagem: Tran Mau Tri Tam/Unsplash)

Uma observação do futuro é que muitas empresas já desmontaram seus escritórios e hoje têm equipes inteiras trabalhando remotamente. Segundo Karen, pode ser um movimento sem volta.

“Não acreditamos como RH que ao final da pandemia as equipes retornem para os espaços físicos integralmente”.

A aposta da profissional é em um modelo híbrido com trabalho remoto parcial, pois o convívio presencial e as relações dentro do ambiente de trabalho são benéficas e não se limitam a aproximação das pessoas, mas também para o seu desenvolvimento e criatividade.

O problema com o excesso de coletivas, eventos de lançamento e atualizações de produto no ambiente online é sentido pelos jornalistas e comunicadores. Se antes um evento presencial necessitava de produção física e controle de agenda para os profissionais estarem presentes, com o isolamento, esse trabalho desapareceu. 

As empresas estão em uma busca desenfreada por atenção, lutando pela “audiência” dos comunicadores, em alguns casos, desordenadamente. Com todos estão em casa, basta uma conexão de internet para participar do evento, pensam os produtores do evento.

Não é bem assim. Se as empresas marcam vários eventos simultâneos tentando esvaziar o evento concorrente, podem estar dando um tiro no pé. Os veículos de comunicação fazem escolhas, afinal, nem todos os veículos possuem um quadro de funcionários amplo a fim de que possam cobrir todo e qualquer evento.

Na pior das hipóteses, a qualidade do conteúdo gerado deve cair. Toda vez que o comunicador estiver em mais de um evento simultâneo, nunca terá 100% de atenção nele, o que é fundamental para produzir um conteúdo de qualidade.

Em minha humilde opinião de jornalista, não abandonem o release. Para assuntos menores, onde um release é suficiente, opte por ele. Deixem os eventos online para lançamentos proporcionais à atenção necessária. 

O custo de produção de um evento online é, de fato, muito menor perto dos gastos com evento presencial. O presencial conta com: locação de espaço, alimentação ou coffee break, equipe de staff grande, iluminação, som, etc.

Os eventos online excluem, pelo menos, o custo com espaço, alimentação, e redução de staff, que são grande parte do orçamento. A redução de valores atraiu empresas que antes não faziam eventos, por falta de verba. É uma justificativa, suficiente, para o aumento no número de eventos novos e crescimento de edições já conhecidas. O campo de batalha pela atenção dos comunicadores, foi ampliado.

Streaming de eventos (Imagem: Product School/Unsplash)

Para buscar o equilíbrio sobre como o excesso de comunicação têm afetado os funcionários, entrevistei o profissional de T.I. George Moraes, 33 anos, dando a visão do trabalhador que está nessa nova situação pós isolamento social.

George afirma que no início existiu atrito entre a gestão da empresa e os funcionários que, por motivos de segurança, passaram a trabalhar em sistema de home office. O atrito ocorreu por inexperiência da gestão com o modelo. Após um período de adaptação de 2 meses os principais problemas foram solucionados.

No início, devido a novidade do sistema de trabalho para a empresa, houve um aumento nas demandas por reuniões online, superior ao número antes praticado. O desgaste vinha por essas reuniões terem como objetivo, principalmente, solucionar questões sobre os processos de trabalho, regras e afins.

Outro problema ocasionado pela inexperiência da gestão era o excesso de controle sobre as atividades dos funcionários. Precisavam estar o tempo todos conectados no sistema de comunicação, com microfone ligado e câmera ativa. 

Nas reuniões de feedback os funcionários pontuaram essa questão como falta de confiança no trabalho, que gerava estresse por medo da exposição de intimidade, uma vez que suas famílias poderiam circular pela casa.

O problema foi solucionado quando as demandas foram entregues, ampliando a confiança da gestão em sua equipe, que era constituída na maioria por novos funcionários. 

Para George, não. O profissional de T.I contou que a utilização positiva de outros dois causadores de estresse, medo da perda de emprego e desgaste com deslocamento até o ambiente de trabalho, deram força para a equipe superar as expectativas da gestão e assim conquistar sua confiança.

“Eu devo ser o mais velho da equipe, a garotada jovem sempre quis trabalhar de casa.”

A empresa não ficou atrás e com adaptações ao novo cenário, forneceu equipamentos para todos os funcionários em suas casas: computadores, monitores, headsets, webcams e tudo que pudesse auxiliar no desempenho das funções.

George destaca ao Tecnoblog que não cumpriram as demandas, simplesmente, mas as entregas tiveram um crescimento muito grande. Projetos que antes estavam atrasados, hoje estão adiantados, o volume cresceu e superou as expectativas. 

A sensação de “mais trabalho” foi superada pelos funcionários devido a vontade de manter o método de home office. George mostra preocupação com funcionários mais antigos, “não é o nosso caso, mas pessoas que trabalharam a vida toda no modelo anterior podem ter dificuldades de se adaptar, até para nós é difícil manter a concentração, as vezes, e não deixar o trabalho se misturar com a vida pessoal.”

Home Office (Imagem: Roberto Nickson/Unsplash)

Para George o futuro do trabalho é híbrido, com as empresas mantendo pequenos escritórios e revezando suas equipes, de acordo com a necessidade, em operações presenciais.

O cuidado deve vir por conta do excesso de reuniões:

“Já tive que participar de duas reuniões ao mesmo tempo, com minha empresa e cliente, e tive que deixar uma delas no mudo para dar atenção à mais importante para entrega de resultados”.

Para o profissional de T.I. o importante é evitar situações onde a escolha pode resultar em perda para os dois lados, sendo obrigado a escolher a situação menos pior. O funcionário colocado nesse tipo de situação é exposto a uma alta carga de estresse e a tendência é que seu desempenho caia.

Problemas existem sim, mas transformá-los em alternativas rentáveis é uma arte. Para confirmar a frase anterior, entrevistei o head de Produtos Digitais da Sympla, Diego Eis, questionando, principalmente, como a empresa tem se adaptado ao cenário pós pandêmico. A Sympla fornece uma plataforma para gestão e venda de ingressos para eventos.

Diego conta ao Tecnoblog como a Sympla viu essa situação do isolamento social com a proibição de eventos presenciais, com ideias de adaptação ou como oportunidade de ampliar os negócios. Para ele, mudanças foram necessárias, mas também surgiu a oportunidade de adiantar o lançamento de um projeto.

“Com a pandemia, todo o mercado de eventos foi impactado e obrigado a pensar em novos formatos de negócios para seguir em frente. Com o intuito de auxiliar os produtores e organizadores de eventos, antecipamos um projeto que estava programado para o segundo semestre deste ano, o Sympla Streaming. É uma ferramenta de transmissão de eventos online, dinâmica, simples e com crescimento diário desde seu lançamento, em abril deste ano. Sempre tivemos uma média de 1.500 eventos online a venda na plataforma, mas com a pandemia, esse número aumentou para mais de 11 mil eventos online, sendo que mais de 3 mil deles acontecem via Sympla Streaming.”

Com o isolamento social e proibição de eventos presenciais ficou claro que a quantidade de ofertas no modelo online cresceu. Sobre a adaptação do mercado ao novo cenário, Diego foi direto na explicação ao Tecnoblog. “Com a pandemia, muitos organizadores que já estavam acostumados com o online, tiveram mais facilidade nesse processo de adaptação. Já os que não estavam, estão se adaptando ao novo cenário para seguir em frente. Este movimento todo, que se fez necessário, agrega ao mercado novas perspectivas.”

Questionado  sobre o futuro do mercado de eventos, na sua visão e da Sympla, Diego foi claro: “Entendemos que a pandemia fez todo o mercado buscar maneiras de se reinventar e mostrou a necessidade de modelos híbridos de negócio. Os eventos presenciais estão iniciando o seu retorno, mas a oferta por experiências online continua muito forte ainda.”

A mistura entre o presencial e on-line são alternativas para uma parte do setor, possivelmente, essa transformação veio para ficar por um bom tempo, na opinião do head de Produtos Digitais da Sympla. Fica evidente a oportunidade de atingir um número maior de pessoas para um mesmo evento, sem limitações físicas, como uma cidade, por exemplo. 

Com todas as entrevistas e ideias sobre o cenário, alguns pontos se destacam como soluções para atravessarmos esse período de incertezas. Os cuidados devem ser redobrados, por parte tanto da empresa quanto de seus colaboradores, para que a produtividade seja mantida, até ampliada, sem transtornos psicológicos para os trabalhadores.

Oportunidades estão surgindo, não somente para o mercado de eventos, mas no geral. A cada dia, pessoas e empresas vêm se adaptando e buscando novas formas de oferecer seu trabalho com qualidade. Resumindo, a overdose de comunicação a distância não será um problema se as ferramentas forem usadas com consciência e o plano de ação for pensado no bem estar das pessoas.

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