As discussões sobre leis não costumam ser tão velozes quanto gostaríamos. Em alguns casos, as normas levam anos para serem aprovadas e mais algum tempo até começarem a valer. Em 2020, no entanto, as notícias sobre mudanças na legislação e decisões de reguladores circularam em um ritmo alucinante.
Neste ano, uma iniciativa para combater a desinformação na internet ocorreu em torno de um projeto que foi aprovado às pressas no Senado. Enquanto isso, nos Estados Unidos, os executivos das gigantes de tecnologia participaram de audiências com parlamentares, que querem aplicar leis para evitar o monopólio das empresas. Confira 5 fatos marcantes sobre legislação em 2020:
Algo que se arrastava há meses, enfim teve uma definição. Após idas e vindas nos prazos, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) começou a vigorar em setembro, ainda que de forma parcial. Isso porque as sanções para quem descumprir as regras estabelecidas pela lei serão aplicadas apenas a partir de agosto de 2021.
Ainda assim, empresas e órgãos públicos já devem seguir o que determina a LGPD. A lei reúne regras para o tratamento de dados e afeta de redes sociais a farmácias que pedem seu CPF em troca de descontos. A depender da finalidade, o tratamento de dados por órgãos públicos também está sujeito à nova regulação.
Entre as mudanças trazidas com a LGPD, está a necessidade do consentimento do titular, exceto para fins como o de segurança pública. A lei determina ainda que o tratamento de dados deve respeitar princípios como o da finalidade, ou seja, os titulares devem saber para que suas informações estão sendo coletadas.
Após a aprovação da lei, ainda era preciso definir os nomes do Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). O grupo foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro e aprovado pelo Senado em outubro. Dos cinco integrantes da primeira formação do conselho, três são militares.
Parte fundamental da regulação, a ANPD é a responsável por criar a Política Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade. O órgão também contará com um conselho formado por 23 integrantes não remunerados que contribuirão com a criação da política. Eles serão indicados por partes como o Poder Executivo, o Senado, a Câmara dos Deputados e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Uma proposta para regulamentar redes sociais e aplicativos de mensagens na tentativa de combater a desinformação avançou no Congresso. O projeto de lei 2630/2020, conhecido como PL das fake news, foi aprovado no Senado em meio a críticas e, agora, é analisado na Câmara dos Deputados.
O texto prevê a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e se concentra em medidas a serem seguidas por serviços como WhatsApp, Facebook e Twitter. As regras, no entanto, foram criticadas por empresas e entidades de direito digital, que apontaram riscos para a privacidade dos usuários.
O PL das fake news poderá fazer aplicativos como o WhatsApp armazenarem durante três meses registros de mensagens muito encaminhadas. A regra não valeria para o conteúdo das mensagens, e sim para os metadados, como o autor do encaminhamento e a data que ele aconteceu. As informações poderiam ser solicitadas com uma ordem judicial.
Outro trecho do projeto poderá forçar as plataformas a pedirem documentos de usuários em caso de descumprimento de regras previstas na lei; de indícios de contas automatizadas não identificadas; de indícios de contas inautênticas; ou de ordem judicial.
Apesar de ter sido aprovado no Senado, o projeto deverá sofrer alterações significativas em 2021. Isso porque a Câmara já trabalha em um substitutivo para o texto e poderá determinar pena de até 5 anos para quem promover fake news de forma coordenada e fazer outras exigências para plataformas, como o pagamento por conteúdos jornalísticos.
Este fato de 2020 não trata de leis, mas, sim, de resoluções do Banco Central. A autoridade bancária publicou duas normas que mudarão significativamente o cenário do setor. Uma delas criou o Pix, sistema de pagamentos instantâneos que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana sem taxas para consumidores.
O Pix começou a operar no início de novembro em um período de testes e, dias depois, foi liberado para todos. O sistema, que realiza transações em poucos segundos, já é utilizado por boa parte dos consumidores. No primeiro mês de operação plena, as chaves foram cadastradas por 46 milhões de pessoas, segundo dados do BC.
A outra mudança no setor ainda não foi implementada, mas teve detalhes divulgados pelo Banco Central. Trata-se do open banking (oficialmente Sistema Financeiro Aberto), que transfere o controle de informações dos bancos para os consumidores. A ideia é permitir que o titular escolha como seus dados bancários serão usados.
Sem o open banking, os clientes que mudam de banco, por exemplo, deixam de ter acesso ao histórico da conta. A solução planejada pelo BC permitirá que esses mesmos clientes tenham benefícios ao migrar os dados para outra instituição financeira. As informações também poderão ser usadas em serviços como apps de gerenciamento de contas e para crédito pessoal.
O open banking brasileiro terá quatro fases de regulamentação para garantir a proteção dos dados dos clientes e o processamento das operações. Esse processo começaria em novembro, não fosse a pandemia do novo coronavírus e o foco do BC no Pix. Agora, a implementação deverá começar em fevereiro de 2021 para ser concluída em dezembro do mesmo ano.
Se em 2019, motoristas de apps como Uber reivindicaram melhores condições de trabalho, em 2020 foi a vez de motociclistas que trabalham com plataformas como iFood e Rappi. Os trabalhadores fizeram manifestações para pedir reajustes nos pagamentos e discutiram projetos de lei que afetam a categoria.
Um deles, analisado pela Câmara Municipal de São Paulo, é o PL 130/2019, que exige o uso de placa vermelha e a formalização como microempreendedor individual (MEI). O projeto foi aprovado em meio à polêmica por conta da versão que estava em pauta. Na votação de primeiro turno, que tratou do texto original, parte dos vereadores exigiu mudanças antes que ele fosse levado para a segunda votação na Casa.
A divisão sobre a proposta também aconteceu entre os motoboys. Enquanto grupos como a Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AMABR) defenderam a aprovação do texto, o SindimotoSP foi contrário à proposta. Em vez dela, o sindicato quer a aprovação do PL 578/2019, que também prevê mudanças no setor e foi aprovado em votação de primeiro turno na Câmara em setembro.
Além dos projetos de lei, a atividade de entregadores de aplicativos foi analisada na Justiça. Em 2020, vários tribunais analisaram a relação das empresas donos de aplicativos com os trabalhadores. As ações também trataram das obrigações que as plataformas teriam com os motoboys afastados por conta da pandemia do novo coronavírus.
É possível dizer que as gigantes de tecnologia que não sofreram pressão de algum regulador não viveram 2020 em sua totalidade. Neste ano, audiências com CEOs transmitidas ao vivo, movimentos pela divisão de empresas e até mesmo ameaças de banimento de plataformas tornaram o ano das big techs ainda mais movimentado.
Um dos principais momentos do ano foi a audiência em que Mark Zuckerberg, Tim Cook, Jeff Bezos e Sundar Pichai tiveram de responder por horas às perguntas da Câmara dos Estados Unidos. Os parlamentares acusaram o Facebook de concorrência predatória, apontaram uma “natureza monopolista” da Apple, questionaram se a Amazon teve vantagem indevida sobre outros vendedores e apontaram um roubo de conteúdo pelo Google para prejudicar concorrentes.
Uma situação parecida se repetiu meses depois em audiência do Senado com Zuckerberg, Pichai e Jack Dorsey, CEO do Twitter. Os executivos responderam às acusações, por parte dos republicanos, de censura contra discursos conservadores e, por parte dos democratas, de falta de ações mais enérgicas para combater a desinformação.
O Facebook foi processado pela Comissão Federal de Comércio (FTC) dos EUA, que pede a venda do Instagram e do WhatsApp para impedir o monopólio da empresa de Zuckerberg. Enquanto isso, o Google foi alvo de três processos antitruste nos EUA devido às práticas consideradas anticompetitivas por meio de seu buscador e do Android.
O TikTok, por sua vez, passou o ano pressionado por Donald Trump, que exigiu a venda da operação nos EUA por conta da afirmação sem evidências de que plataforma oferece risco à segurança do país. A ByteDance, dona da rede social de vídeos curtos, até chegou a um acordo com a Oracle e o Walmart, mas o negócio não foi concluído nos prazos definidos pelo governo.
A expectativa para 2021 é de que o uso da LGPD para impedir o tratamento indevido de dados pessoais se torne prática comum. A lei já serviu de base em algumas ações, mas poderá ser usada pela ANPD para aplicar sanções a empresas e órgãos públicos. A autoridade também deverá regulamentar diversos pontos da lei.
Além disso, deveremos ter avanços na implementação do open banking e os desfechos em torno do PL das fake news. Para as big techs, o ano também poderá ser marcado pela criação de um imposto digital na União Europeia, medida que tem apoio de países como França, Espanha e Itália.
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