O projeto de lei 2630/2020, mais conhecido como PL das fake news, pode voltar à pauta do Senado por meio da nova versão do relatório do senador Angelo Coronel (PSD-BA), que já foi apresentada para os parlamentares. Com uma versão mais curta, o documento continua sendo criticado por entidades de direito digital, que pedem o adiamento de sua votação.
O relatório, disponível neste link, afirma seguir princípios como o da liberdade de expressão, da privacidade e do respeito às preferências políticas. No entanto, o texto pode prejudicar usuários ao exigir que mais informações pessoais sejam armazenadas pelas plataformas e ao ampliar conceitos adotados em versões anteriores, o que afetaria ainda mais serviços na internet.
Um dos pontos controversos da proposta está na definição do que é um serviço de comunicação interpessoal. O documento abrange “provedores de redes sociais e de serviços de comunicação interpessoal que permita a publicação e distribuição de conteúdo”. Com essa redação, o PL das fake news poderia alcançar, não apenas serviços como Facebook, Twitter e WhatsApp, mas também e-mais e aplicativos de chamadas de vídeo, por exemplo.
É o que aponta Marina Pita, coordenadora-executiva do coletivo Intervozes, que integra a Coalizão Direitos na Rede, grupo de organizações que critica a proposta. “Comunicação interpessoal é um conceito bastante vago. A gente pode falar que uma conversa no Tinder é uma comunicação interpessoal. Qualquer conversa é uma conversa interpessoal. A expansão que esse projeto traz é absurda”, afirma, em entrevista ao Tecnoblog. Mas por que o projeto ainda tem problemas?
O documento estabelece que, para criar uma contas, as plataformas deveriam exigir “documento de identidade válido, número de celular registrado no Brasil e, em caso de número de celular estrangeiro, o passaporte”. De acordo com Marina, o texto levaria a exigência para praticamente qualquer serviço. “A Wikipédia, por exemplo, poderia ser enquadrada em redes sociais porque você tem uma troca e uma produção de conteúdo”, explica.
A primeira versão do PL das fake news restringia as medidas às plataformas com mais de dois milhões de usuários. Essa limitação foi retirada no novo relatório e pode desestimular a concorrência entre redes sociais. “Em um serviço novo, o usuário pode ficar com preguiça de ir lá e colocar aquele dado, o que significa maior dificuldade para surgirem novas empresas neste segmento que já é super concentrado”, afirma Marina.
Para piorar, o PL das fake news poderia atrapalhar quem, por qualquer motivo, troca o número de celular. Isso porque, para garantir contas identificadas, o relatório propõe que redes sociais e aplicativos de mensagens suspendam contas de usuários que tiverem seus números desabilitados por operadoras.
O relatório determina que os aplicativos de comunicação interpessoal (WhatsApp e Telegram, por exemplo) teriam políticas para limitar número de encaminhamentos de mensagens e de participantes em grupos, bem como soluções para autorizar a inclusão em grupos somente com o consentimento dos usuários. O documento também sugere que os serviços armazenem informações sobre o caminho das mensagens.
As plataformas seriam obrigadas a guardar, por pelo menos quatro meses, os registros da cadeia de encaminhamentos de uma mensagem até sua origem. A informação poderia ser solicitada por ordem judicial. “O princípio que está colocado é o de guarda em massa das informações a priori”, destaca Marina. “Essa minuta transforma todos os brasileiros em suspeitos. É a inversão do princípio da presunção da inocência”.
A exigência poderia fazer com que plataformas se tornassem alvos mais visados por cibercriminosos e as sujeitaria às medidas do governo da ocasião. De acordo com Marina, o dispositivo poderia criar “um incentivo para que governos busquem, por exemplo, ter um backdoor, um acesso contínuo a esses bancos de dados, o que é bastante perigoso no contexto em que a gente está vivendo”.
O relatório do PL das fake news propõe a tipificação de novos crimes eleitorais, o que poderia afetar o princípio da liberdade da expressão. Um dos pontos controversos é o que proibiria “a veiculação de propaganda com conteúdo manipulado com a finalidade de degradar ou ridicularizar candidatos ou para colocar em risco a credibilidade e a lisura das eleições”.
Como destaca Marina, a interpretação não é restrita aos candidatos. “Se você é um usuário da internet e ridiculariza um candidato, isso também pode ser enquadrado neste dispositivo porque apesar de falar de publicidade, não há necessariamente um conceito fechado do que é publicidade eleitoral”, explica. Entretanto, apesar de poder ser cometido por qualquer pessoa, o crime sujeitaria o candidato beneficiado à multa de até R$ 10 milhões.
O trecho sobre punições também conta com o uso de termos genéricos. A proposta defende uma mudança no Código Penal para quem gerar, transmitir ou veicular conteúdo que “resulte grave exposição a perigo da saúde pública, da paz social ou da ordem econômica”. Sem detalhar quais seriam esses perigos, o relatório sugere detenção de até 5 anos para quem realizar a prática — e até um terço a mais caso a ação seja feita em grupo.
Um dos pontos elogiados por especialistas na primeira versão do projeto e retirado no novo relatório é a exigência para plataformas apresentarem relatórios sobre suas medidas de moderação. “O que a gente está tentando é dar um passo no sentido de transparência em relação à moderação para avaliar se elas estão moderando adequadamente”, explica Marina. “A gente precisaria ter uma visão com base em dados para poder discutir esse assunto de uma forma mais adequada no Brasil e isso não está no relatório”.
A Coalizão Direitos na Rede defende mais discussões em torno do PL das fake news, que tramita há menos de dois meses no Senado. “Isso seria bastante importante quando a gente está falando de um fenômeno novo, que é complexo. Os políticos têm pouco conhecimento do funcionamento da internet e têm muitas dúvidas técnicas”, completa Marina.
Segundo o relator do PL das fake news, senador Angelo Coronel, o objetivo é coibir crimes contra a honra. “Eu não posso concordar — e tenho certeza que você também não concorda — que uma pessoa crie um perfil falso nas redes sociais, que abra uma conta falsa numa rede como o WhatsApp, para difamar as pessoas, para plantar notícias que ataquem a sua honra”, afirmou à TV Senado.
“Não estamos mexendo em nada da liberdade de expressão porque é uma cláusula pétrea da nossa Constituição”, afirmou. “Estamos combatendo o anonimato, combatendo essas pessoas covardes que estão difamando as pessoas. E quando você procura saber quem é a pessoa, estão anônimas”.
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