quinta-feira, 1 de julho de 2021

Bitcoin na Lua? Entidade questiona suposto envio de criptomoeda via rádio | Ciência | Tecnoblog

No final de maio, um grupo de brasileiros virou notícia no mundo todo ao divulgar a realização de um experimento extremamente inusitado (e difícil): eles enviaram a criptomoeda bitcoin (BTC) para a Lua através de uma transmissão de rádio, e então receberam a quantia de volta em outra localização através da reflexão do sinal na superfície lunar. Porém, parece que eles arranjaram uma série de problemas regulatórios com a Anatel, sendo questionados sobre a legalidade e veracidade de seus atos pela LABRE (Liga de Amadores Brasileiros de Radio Emissão).

Brasileiros afirmaram ter completado uma transação de bitcoin através da reflexão de ondas de rádio na Lua (Imagem: Michael Jowen/ Unsplash)

O projeto Satoshi.Radio.Br foi criado por uma equipe de brasileiros liderados por Márcio Gandra. De acordo com seu site oficial, sua intenção é transmitir bitcoin (BTC) através de ondas de rádio, utilizando equipamento de rádio amador. O grupo realizou seu experimento em abril, afirmando ter conseguido enviar o equivalente a R$ 50 em BTC para a Lua e recebê-lo de volta em outro terminal, usando o satélite natural da Terra como refletor.

Essa tecnologia se chama moon-bounce, criada por militares ingleses na década de 40 para permitir a propagação de ondas de rádio para a Lua, cuja superfície as reflete de volta à Terra. Assim, o grupo de brasileiros se usou dessa técnica para transmitir um código hexadecimal de um arquivo usada para transações de bitcoin, o qual foi recebido e assinado em outro local, concluindo a movimentação dos fundos criptográficos. Enquanto o transmissor estava em Macacos, em Minas Gerais, o receptor estava a 800km em Belo Horizonte.

Grupo afirma ter superado Elon Musk ao enviar com sucesso bitcoin para a Lua (Imagem: Reprodução/Satoshi.Radio.Br)

Todo o processo teria durado cerca de 25 minutos, apoiado por envios em código morse por ser o método de comunicação mais simples para o experimento. Além disso, o equipamento utilizado é considerado básico no radioamadorismo, emitindo frequências em uma potência abaixo do ideal para uma empreitada desse nível. Mesmo assim, o grupo confirma que foi bem sucedido em seu experimento, “superando Elon Musk” ao serem os primeiros a enviar bitcoin para a Lua.

Contudo, em meados de junho, a LABRE se manifestou sobre o ocorrido, destacando problemas regulatórios em níveis internacionais relacionados a uma transação financeira feita através de ondas de rádio. A prática é totalmente proibida pela Anatel, e, além disso, Márcio Gandra, o líder do experimento, não estaria propriamente habilitado para manusear o equipamento utilizado.

Porém, as observações da LABRE se estendem para outro importante ponto. De acordo com cálculos feitos pela entidade, o experimento de Gandra seria cientificamente inviável. O equipamento mostrado nas imagens publicadas no Satoshi.Radio.Br também estariam longe de conseguir concluir a tarefa.

Em entrevista ao Tecnoblog, o presidente da LABRE Marcone Cerqueira, o vice-presidente Roberto Pereira e Alisson Teles Cavalcanti, radioamador e um dos responsáveis pela comunicação da entidade, comentaram o caso.

O principal ponto destacado pela organização foi a natureza financeira do experimento realizado pela equipe de Gandra. Segundo Roberto Pereira, a prática é completamente vetada pela Anatel, independentemente se o bitcoin é ou não considerado uma moeda no Brasil. “Nós, como associação e entidade, tínhamos a obrigação de nos posicionar sobre a legislação”, afirmou Cerqueira.

Márcio Gandra testando o equipamento que teria enviado bitcoin à Lua via ondas de rádio (Imagem: Reprodução/Satoshi.Radio.Br)

Outro ponto regulatório perigoso destacado por Cavalcanti é que Gandra e seu projeto já indicaram que possuem a intenção de expandir a prática ao utilizaram satélites dedicados ao radioamadorismo. Ele explicou que são usados microssatélites CubeSats sob a autorização da Anatel para que estações amadoras de rádio operem.

Porém, segundo Cavalcanti, a prática de envio de criptomoedas através de ondas de rádio abriria um precedente perigoso que até mesmo poderia gerar sanções sobre o Brasil para a utilização desses satélites, o que já aconteceu no passado. Esses equipamentos são enviados por outros países, que autorizam sua utilização por radioamadores brasileiros, mas não para fins comerciais ou financeiros.

Roberto Pereira reiterou que a LABRE já recebeu mensagens de outras organizações estrangeiras, questionando o posicionamento da entidade sobre a notícia que repercutiu na mídia internacional, principalmente entre o meio de radialistas.

Além disso, os porta-vozes da LABRE lembraram que Márcio Gandra afirmou ter o COER (Certificado de Operador de Estação de Radioamador), o que o habilitaria a operar uma estação de rádio amadora. Porém, a entidade afirmou que ele não revelou sua licença e tampouco foi encontrado qualquer registro em seu nome.

Para operar o equipamento que Gandra diz ter usado, ele precisaria também registrar o aparelho. Pereira comparou a um documento de registro de veículo. “Mesmo que ele realmente tenha o COER, ele ainda estaria dirigindo um carro não regulamentado”, explicou.

Esquema resumindo o experimento que enviou bitcoin à Lua (Imagem: Reprodução/Satoshi.Radio.Br)

Para além de todas as problemáticas legais, o experimento de Gandra levantou inúmeros questionamentos científicos também. Com as informações técnicas divulgadas pelo grupo de brasileiros, a LABRE entende que a transmissão seria impossível. Na opinião de Pereira, o equipamento mostrado nas fotos está longe de ter a potência necessária para realizar algo tão ambicioso.

Cerqueira também explicou que, tradicionalmente, o efeito moon-bounce seria realizado com um equipamento muito mais potente, e que se Gandra e sua equipe replicassem uma transmissão desse nível com a antena mostrada, ela provavelmente derreteria e o experimento se tornaria perigoso para todos ao redor do aparelho. A LABRE também divulgou cálculos que mostram que o envio e recebimento de bitcoin por reflexão lunar de ondas de rádio, nas condições reveladas, seria inviável.

“Nós, da LABRE, estimulamos a experiência e o estudo no radioamadorismo, mas dentro das regras e das normas estabelecidas pela Anatel. Caso estivesse tudo dentro das regulamentações, nós até mesmo nos colocaríamos ao lado dele para ajudar no experimento”, concluiu Cerqueira.

O Tecnoblog entrou em contato com o projeto Satoshi.Radio.Br, buscando um posicionamento sobre a questão. Márcio Gandra, líder da empreitada, respondeu: “Em virtude da denúncia protocolada por eles (LABRE) na Anatel, não estamos autorizados a dar esclarecimentos adicionais. Espero, em breve, poder falar abertamente sobre o feito que, ao contrário do que tentaram fazer conosco, nos orgulha muito”.

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