A Polícia Federal (PF) assinou um contrato confirmando a compra de um sistema que pretende coletar, armazenar e cruzar dados pessoais sensíveis de 50,2 milhões de brasileiros. O plano é que o programa Abis (Solução Automatizada de Identificação Biométrica) seja expandido para conseguir “catalogar” quase toda a população do Brasil nos anos seguintes, mas entidades ligadas à proteção de dados estão preocupadas com as possíveis consequências do projeto.
O Abis tem o objetivo de identificar pessoas ao cruzar dados biométricos provenientes de reconhecimento facial e impressões digitais. O sistema é uma evolução do Afis, sistema usado pela PF há 16 anos para a identificação de digitais em busca de criminosos ou pessoas desaparecidas.
A Polícia Federal explicou em comunicado que o Abis será usado para unificar dados das secretarias de segurança pública estaduais, criando uma base biométrica nacional que poderá ser utilizada pelas polícias judiciárias.
A plataforma também disponibiliza serviços de controle de emissão de passaportes, registros de estrangeiros e certidão de antecedentes. Segundo a autoridade, “com o tempo, poderá haver a completa integração com outros modelos de identificação biométrica, como íris e voz”.
De início, o programa já será alimentando por cerca de 2,2 milhões de dados coletados com a plataforma antiga. Além do sistema, a PF está adquirindo novos equipamentos para o cadastramento e coleta de biometria, incluindo uma estação portátil de cadastro que será usada por papiloscopistas — peritos que fazem a identificação humana por meio de digitais.
O extrato de contratação da empresa IAFIS SYSTEMS DO BRASIL LTDA, que deverá implementar o Abis, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) com o valor de R$ 39.970.099,33 para um período de atuação até 2024, conforme aponta uma reportagem do site Convergência Digital.
Diversos especialistas em proteção de dados manifestaram preocupação com o projeto da Polícia Federal. De acordo com a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, o uso da solução automatizada “potencializa o compartilhamento de informações sem uma demonstração prévia de salvaguardas e procedimentos de compatibilização de finalidades de bases de origens diversas”.
A entidade também chama a atenção para o fato de que, no Brasil, ainda não há diretrizes necessárias estabelecidas para garantir a integridade no tratamento de dados para fins de segurança pública.
Vale lembrar que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não se aplica a casos de segurança pública, de defesa nacional e de segurança do Estado. Ainda assim, as informações sensíveis dos cidadãos devem ser geridas com processos transparentes, com garantia de uso restrito a essas finalidades, e respeitando os direitos fundamentais.
Por este motivo, o Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados para segurança pública e persecução penal (LGPD-Penal) está em vias de discussão no Congresso — seu texto foi apresentado em novembro por uma comissão de juristas instituída pela Câmara dos Deputados.
O projeto de unificação biométrica da PF poderia “potencializar usos amplos de bases de dados biométricas para vigilância em massa”, alerta o Data Privacy BR, bem como levar a uma mistura no tratamento de dados de segurança pública, investigação criminal e inteligência — que, por terem contextos diferentes, deveriam ser analisados de forma separada.
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