Para Ricardo Sennes, "vetos cruzados" de grupos de poder afastam País de mudanças fundamentais para novo modelo de desenvolvimento
SÃO PAULO – O Brasil ficou para trás na nova ordem econômica e não recuperará o passo enquanto não superar uma interminável disputa entre suas próprias elites e promover reformas que destravem o ambiente de negócios e estimulem o desenvolvimento de projetos. A avaliação é do economista e cientista político Ricardo Sennes, sócio-diretor da Prospectiva Consultoria.
Em entrevista ao canal Um Brasil, iniciativa da Fecomércio de São Paulo, o especialista afirma que um dos motivos que teriam levado à perda de espaço do País na economia mundial é o que ele chama de “vetos cruzados” das elites. Assista a íntegra pelo vídeo acima.
Para Sennes, há um “encastelamento” de determinados grupos, que, diante de um ambiente ameaçador, agarram-se ao status quo para garantir privilégios conquistados em vez de apostar em uma agenda própria para conquistar novos espaços no futuro. A percepção de risco leva tais atores a priorizarem ações defensivas, de veto às iniciativas patrocinadas por outros grupos. O resultado é a paralisia.
“Nenhum desses grupos consegue ser hegemônico a ponto de impor sua agenda aos demais – todos são razoavelmente fortes, mas não o suficiente para impor o jogo. Parece que há um empate entre os grupos da elite, um impondo veto ao outro, nenhum deixando a agenda do outro avançar e ser testada, e o Brasil fica incapaz de tomar decisões mais estruturantes”, afirma.
A desigualdade regional seria um agravante para o quadro, por ampliar o nível de tensão entre as elites e inviabilizar uma construção de projeto nacional. “Como não há um projeto que incorpore ou seja capaz de indicar uma situação de ganho relativo para a maior parte dos grupos, dentro de um padrão sofisticado, você começa a ter esses grupos jogando contra. O melhor modelo da falência da nossa visão de desenvolvimento é a guerra fiscal. É um subproduto de veto cruzado”, aponta.
Na avaliação do especialista, reformas econômicas aprovadas ao longo dos últimos anos podem ser importantes, mas não são suficientes para colocar o País em posição de destaque no sistema internacional.
“São remendos, que vêm sempre depois que o problema está colocado. A reforma da Previdência vem depois que a Previdência explodiu. A reforma trabalhista vem depois de 60 anos que não se mexe no modelo trabalhista. Só tomamos uma decisão quando a situação já está no limite, e não antecipamos decisões estratégicas para colocar o país de outra maneira”, critica.
O processo, em certa medida, se replica em boa parte das grandes economias da América Latina. Para Sennes, com raras exceções, a região não deu boas respostas a partir da última revolução tecnológica. O resultado são crescentes tensões internas para acomodar uma nova classe média que surgiu com o desenvolvimento de décadas anteriores.
“As grandes economias – Brasil, Argentina, México e Venezuela – perderam esse timing e estão em um processo de empobrecimento relativo, do ponto de vista de capacidade de produção e espaço na economia mundial”, observa.
No caso brasileiro, além dos vetos cruzados, o economista chama atenção para os impactos da construção de um sistema que impõe uma série de obstáculos ao empreendedorismo. Sennes cita os trabalhos dos professores advogados Carlos Ari Sundfeld e Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto ao apontar para um possível desequilíbrio de poder entre instituições.
“Todo gestor público no Brasil hoje está incapaz de tomar uma decisão, seguindo uma maioria que constitui, porque ele é obrigado a negociar com um órgão que era para ser só de controle, do ponto de vista de gestão, e passou a ser um órgão político de decisão”, afirma.
Para surfar uma nova onda do desenvolvimento, Sennes argumenta que o Brasil não pode mais acreditar em fórmulas do passado. “Agora vem a fase mais difícil, que é passar a um patamar que talvez exija políticas um pouco mais sofisticadas, arranjos regulatórios mais sofisticados, para encarar um jogo de igual para igual. Já não somos mais o país com a mão de obra mais barata do mundo”, diz.
“O Brasil tem que concorrer próximo ao que é o modelo dos países de desenvolvimento médio para cima. É competitividade, capacidade de empreendimento inovador e eficaz em nichos específicos da economia. Trata-se de uma mudança de ambiente econômico, mais sofisticado, com menos escala e mais qualidade e produtividade. Mas estamos presos na agenda negativa de grupos que não topam esse jogo e se prendem à agenda antiga, achando que conseguimos estender o que foram os ganhos que tivemos na fase anterior”, pontua.
O acerto de passo com a nova ordem econômica, diz o cientista político, também passa necessariamente pela discussão de três temas que ganharam ainda mais evidência em meio aos impactos da pandemia do novo coronavírus: saúde, educação e desigualdade.
“Ademais da crise política, esses três temas bateram fundo na sociedade brasileira. Voltaram como temas obrigatórios de uma agenda de uma sociedade que se pretende pensar um futuro um pouco mais civilizado”, observa o especialista.
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