terça-feira, 21 de setembro de 2021

Renda fixa "turbinada"? Especialistas dizem que momento é "oportuno", mas só para quem está preparado para volatilidade - InfoMoney

Com elevação dos juros, analistas afirmam que há oportunidades para venda antecipada de papéis de renda fixa; entenda

SÃO PAULO – Sem perspectiva de trégua da inflação ou de uma melhora das contas do governo, pelo menos no curto prazo, o mercado vem prevendo altas sucessivas para a taxa básica de juros – a Selic – e cortando projeções para o crescimento da economia brasileira.

Embora possa corroer parte dos ganhos dos investimentos não atrelados a índices de preço, o avanço acima do esperado da inflação e da Selic voltou a deixar algumas aplicações de renda fixa atrativas. E mais: para analistas ouvidos pelo InfoMoney, a forte subida recente dos juros abriu espaço para estratégias mais sofisticadas, como a compra de títulos públicos ou papéis emitidos por empresas atrelados à inflação, com o objetivo de vendê-los antes do vencimento para obter ganhos “turbinados”.

A lógica é a seguinte: quem investe em papéis de renda fixa e os mantém até a data do vencimento leva a taxa de juros prometida no momento da compra. Se, no entanto, vender os títulos no meio do caminho, precisará negociá-los a preço de mercado – que pode ser maior ou menor do que o valor desembolsado no momento do investimento. Portanto, ao fazer uma venda antecipada, o investidor tanto pode obter ganho quanto acabar tendo um prejuízo.

Na prática, a taxa de juros oferecida por um título de renda fixa tem uma relação inversa com o seu valor de negociação no mercado. Quando as taxas sobem, como tem sido o caso ao longo deste ano, seu preço tende a cair. É por isso que o preço de um título como o Tesouro IPCA+, com vencimento em 2045, por exemplo, desvalorizou mais de 20% desde janeiro até esta terça-feira (21).

Mas o contrário também é verdadeiro. O investidor que comprou um papel de renda fixa a uma taxa mais alta no passado pode ter a chance de vendê-lo no futuro por um preço maior e obter ganhos de capital, caso as taxas oferecidas por aquele título no momento da venda estejam mais baixas. O preço do mesmo Tesouro IPCA+ 2045, por exemplo, valorizou 58% ao longo do ano de 2019, quando os juros apresentavam tendência de queda.

É de olho nesse tipo de movimento que os especialistas estão atentos agora. Rodrigo Marcatti, sócio-fundador da Veedha Investimentos, pontua que as taxas de juros aumentaram muito, tanto nos papéis com vencimentos curtos quanto nos mais longos. Logo, se o cenário melhorar um pouco e as taxas dos títulos mais longos voltarem para patamares de quatro meses atrás, o investidor possivelmente conseguiria vendê-los com ganhos de 20% a 30%, dependendo do papel.

A estratégia, no entanto, não é voltada para todos os investidores. Especialistas apontam que para quem está mais acostumado com volatilidade, o momento é oportuno para comprar títulos públicos de curto prazo e médio prazo, com vencimento até 2035, e de longo prazo, entre 2045 e 2055, com foco na venda antecipada.

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“Para investidores mais conservadores, a sugestão é preferir prazos mais curtos, com vencimento até 2026, por não estarem acostumados com forte volatilidade”, diz Flavio Byron, da Guelt Investimentos. “Já para pessoas com perfil mais moderado, a recomendação é preferir prazos intermediários, como 2030 e 2035. Quem tem perfil mais agressivo pode optar por investimentos com horizonte de maior prazo, a partir de 2040, por exemplo”, sugere.

As oportunidades não estão restritas apenas a títulos públicos. Segundo os especialistas, há opções interessantes também entre títulos privados e isentos de Imposto de Renda, como as debêntures incentivadas, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e do Agronegócio (CRAs). O investidor, contudo, precisa ter maior atenção, porque esses papéis têm liquidez menor do que os títulos públicos, o que pode tornar mais difícil a negociação antes do vencimento.

As preocupações com a aproximação de um cenário eleitoral cada vez mais centrado em dois candidatos à presidência da República, aliadas a pressões inflacionárias que devem seguir até o ano que vem, discussões em torno dos precatórios e demora de reformas importantes têm efeito direto sobre o mercado de juros.

Em momentos de maior incerteza na economia local ou internacional, diante dos riscos, os investidores passam a exigir remunerações maiores para emprestar dinheiro ao governo ou para empresas. Um exemplo claro disso pode ser visto na alta das taxas de alguns títulos públicos.

Segundo informações do site do Tesouro Direto, em 20 de julho deste ano, por exemplo, o Tesouro IPCA+ com vencimento em 2055 e pagamento de juros semestrais oferecia retorno real de 4,27%. Um mês depois, em 19 de agosto, o mesmo papel chegou a pagar juro real de 5,00%.

Marcatti, da Veedha Investimentos, acredita que o cenário no curto prazo ainda deve ser de inflação persistentemente alta e de juros avançando. “Se o governo caminhar por esse lado de acelerar gastos e auxílios pra garantir uma popularidade mais alta nos próximos meses e ano, nós podemos ter um cenário de inflação mais pressionada. Isso vai obrigar o BC a ‘aumentar a pernada’, o ciclo de alta de juros”, destaca.

A recomendação, diz Marcatti, é que a estratégia de venda antecipada de papéis de renda fixa seja priorizada por investidores acostumados com fortes oscilações e horizontes de investimento mais longos. “É um movimento mais especulativo. O investidor deve ir carregando o título até que haja uma saída. Uma hora, a taxa fecha [cai]. A inflação recua, as taxas convergem e a pessoa vende”.

A razão, segundo ele, é que os títulos de longo prazo estão bastante pressionados por causa da questão fiscal e dos ruídos políticos. “Mesmo que a inflação continue mais alta, se o governo se comprometer com o teto, com o orçamento e resolver a questão dos precatórios, já teríamos uma diminuição do risco-país e os juros mais longos tendem a fechar mais rápido”.

Após esse período de maior aperto monetário, no entanto, a tendência é de que a inflação seja controlada e os juros voltem a desacelerar para não prejudicar a atividade econômica, afirma Marcatti. “Assim como ocorre normalmente, a inflação vem e o Banco Central sobe os juros. Os efeitos aparecem na economia, a inflação desacelera e busca-se um juro neutro, um equilíbrio em que não se gere inflação”.

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Embora a alta da Selic também seja positiva para ativos atrelados ao Certificado de Depósito Interbancário (CDI), a preferência é por títulos atrelados à inflação.

O motivo, segundo Mateus Caldasso, head de renda fixa na Alta Vista Investimentos, é que os juros devem subir, mas não devem se manter em patamar muito alto, já que a atividade econômica está devagar e o desemprego, alto. Logo, a alocação em títulos atrelados à inflação é uma forma de se proteger da perda de poder aquisitivo e de obter ganhos reais.

A situação não é nova. Marcatti explica que não é a primeira vez que investe em títulos atrelados à inflação com foco em ter uma posição tática. “Em abril de 2020, em plena crise de coronavírus, quando todos estavam resgatando, as taxas de juros subiram muito e aumentamos a alocação em NTN-Bs [Tesouro IPCA+]. Quando chegou em julho, saímos da posição porque houve uma queda que achamos interessante”, destaca.

Investir em renda fixa com foco em vendas antecipadas exige atenção, porque a oscilação de preços pode ser expressiva. “Esse tipo de investimento é de alta volatilidade. Se pegarmos a curva dos últimos anos de uma NTN-B [Tesouro IPCA +] longa e compararmos com o gráfico da bolsa, é possível perceber que as oscilações são muito parecidas”, destaca Byron, da Guelt Investimentos.

Ainda que a volatilidade seja uma característica desse tipo de mercado, o sócio da Guelt argumenta que a vantagem de adquirir títulos atrelados à inflação é que, caso o mercado não melhore, o título já teria uma remuneração interessante se estivesse em algo como 5% ao ano mais a variação do IPCA, mesmo sem fazer uma venda antecipada.

Como a estratégia é mais agressiva, a recomendação dos especialistas é para que o investidor esteja disposto a realizar movimentos “especulativos” no mercado, comprando mais papéis aos poucos.

“O melhor é ir fracionando a entrada. É muito difícil acertar o timing [a melhor hora]. É possível comprar ao longo de duas ou três semanas, a não ser que haja um dia de muito estresse, que valha entrar com mais força”, diz Byron.

Ainda que o mercado de títulos públicos tenha um volume maior de negociações, o que facilita a venda antecipada, há quem também veja boas oportunidades para adquirir papéis de crédito privado, indexados à inflação e com isenção tributária, como debêntures incentivadas, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e do Agronegócio (CRAs).

A estratégia seria a mesma: vendê-los antecipadamente na tentativa de obter ganhos de capital. A razão é que a alta das taxas também foi sentida no mercado de crédito privado.

Um levantamento das taxas oferecidas por alguns títulos privados oferecidos na plataforma da XP nesta segunda-feira (20), por exemplo, mostrou que havia CRAs e CRIs, com classificação de risco AAA, oferecendo taxas reais a partir de 4,9% ao ano.

Entre as opções estavam os CRAs da Minerva, com classificação de risco AAA, vencimento em 2031 e taxa real de 4,95% ao ano. Outra opção era o CRI da MRV, com vencimento no mesmo ano e retorno real de 4,9%, também com rating AAA.

Apenas como base de comparação, em abril deste ano, era possível encontrar CRAs da Minerva, com vencimento em 2025, oferecendo juro real de 2,8% ao ano. Ou um CRA da JBS com vencimento em 2030 e taxa de 4% ao ano.

Ao olhar para esses títulos, o sócio da Guelt diz que prefere aqueles que pagam IPCA mais 4% ao ano, com vencimento até 2035 e classificação de risco AAA – a melhor do mercado. “A maioria dos clientes tem perfil moderado e preferimos prazos intermediários. Hoje, há papéis da Eletrobras, Petrobras e JBS que gostamos. O mercado primário tem lançado boas opções”.

Já Samuel Cunha, da H3 Invest, afirma que sua preferência é por títulos com vencimento entre 2026 e 2030, nos quais é possível encontrar taxas mais atrativas em relação às dos títulos públicos. Em prazos mais alongados, segundo ele, é preferível que o investidor opte por papéis emitidos pelo governo, porque a remuneração é mais interessante.

O movimento de adquirir títulos numa taxa maior e se desfazer deles no curto ou médio prazos tem como premissa um cenário de melhora no risco político e fiscal.

Samuel Cunha, da H3 Invest, destaca que o mercado precisa ver progresso na comunicação dos poderes, no avanço de reformas desejadas pelos agentes financeiros, como a administrativa, além de uma solução para o problema dos precatórios. É nessas condições que as taxas podem a ficar em níveis mais baixos, proporcionando ganho de capital numa venda antecipada.

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Se houver mais turbulência e nenhum avanço nas reformas, segundo Cunha, a estratégia de venda antecipada pode não ter sucesso e o investidor pode se prejudicar. Se precisar sair e as taxas tiverem subido ainda mais, é possível que acabe tendo prejuízo.

Especificamente sobre os papéis de crédito privado, embora as oportunidades existam, o investidor precisa ter consciência de que debêntures, CRIs e CRAs não têm a garantia do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

É preciso, portanto, olhar com bastante atenção a qualidade do crédito oferecido pelo emissor. O ideal, segundo os especialistas, é buscar empresas com boa classificação de crédito, preferencialmente entre AAA e A+.

Byron também pondera que o mercado privado não tem a mesma liquidez do que o de títulos públicos e que o investidor precisa ficar atento, se precisar sair antes da hora. “O risco do crédito privado é precisar sair no olho do furacão. Se precisar vender no Tesouro, o investidor tem facilidade de encontrar comprador. Porém, no mercado de crédito privado, nem sempre é possível”, destaca.

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