terça-feira, 5 de outubro de 2021

PEC dos Precatórios entra em semana decisiva, em meio a disputa no governo sobre mais auxílio emergencial | InfoMoney

Solução construída para os precatórios deverá dar importantes sinalizações sobre o futuro das contas públicas e a força das regras fiscais vigentes

SÃO PAULO – A comissão especial criada para analisar a Proposta de Emenda à Constituição que trata do pagamento de precatórios (PEC 23/2021) deve atingir, nesta semana, o prazo mínimo de 10 sessões para a apresentação do parecer do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) ‒ mesmo prazo para os parlamentares apresentarem emendas ao texto.

O relator tem indicado intenção em dar celeridade à matéria, ainda objeto de muita discussão no meio político e monitoramento atento por parte de agentes econômicos.

A solução construída para os precatórios ‒ que são dívidas judiciais do poder público sem possibilidade de novos recursos ‒ deverá dar importantes sinalizações sobre o futuro das contas públicas e a força das regras fiscais vigentes no país.

“O mercado presta atenção em dois pontos: na questão dos precatórios, se a discussão constitucional que acontece na Câmara vai flexibilizar nossas regras fiscais; e, na parte do auxílio emergencial, o risco de que um programa temporário comece a ganhar cara de permanente ao entrar em seu terceiro ano de vigência”, observa Paulo Gama, analista político da XP.

Na avaliação dos analistas políticos da consultoria Arko Advice, as discussões sobre a PEC dos Precatórios têm aumentado “sobremaneira” a pressão sobre a equipe econômica, e os próximos 30 dias serão cruciais para o desfecho da novela.

A possibilidade de o relator Hugo Motta trazer em seu texto uma nova prorrogação do auxílio emergencial até o fim do ano ou ao longo de parte de 2022 é acompanhada com atenção. O pagamento está programado para terminar em outubro, mas há forte pressão política por mais benefício, inclusive dentro do próprio governo.

De um lado, a ala política do governo defende uma espécie de “desmame” gradual do auxílio emergencial, sob alegação de que milhões de beneficiários poderiam ficar desassistidos do dia para a noite, já que não seriam contemplados pelo novo Auxílio Brasil ‒ programa que o governo tenta tirar do papel para substituir o Bolsa Família.

Na semana passada, o ministro João Roma (Cidadania) admitiu que que o tema “está na mesa”. “É preciso que haja um esforço do Estado brasileiro para proteger 25 milhões de cidadãos”, disse em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

Em evento, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que o Brasil é um país rico, que pode atender “aos mais necessitados por mais tempo”. “Temos que trabalhar, sim, para atender a esses que ainda não retornaram ao mercado de trabalho”, afirmou.

De outro lado, a equipe econômica alega que o momento do país é mais favorável em relação ao enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, a atividade está retomando e os dados de emprego melhorando. Nesse sentido, não seria possível alegar imprevisibilidade para justificar a edição de crédito extraordinário.

“Em tese, não haveria necessidade de uma nova PEC, já que a ideia poderia ser implementada por meio de crédito extraordinário, via projeto de lei ao Congresso ou por medida provisória. O problema é que no Ministério da Economia há quem não se sinta confortável em fazer uma extensão do benefício por meio de crédito extraordinário”, observam os analistas da Arko.

“O incômodo no ministério é que nomes do próprio governo, como ministros e parlamentares, estão alimentando discussões em torno de pontos com os quais a pasta tem resistência”, explicam. É no contexto de resistências da equipe econômica que cresce a discussão sobre a inclusão do tema na própria PEC, que não precisa de análise pelo Poder Executivo.

Conforme destaca o jornal Valor Econômico, parte do Ministério da Economia vê grande risco de uma prorrogação do auxílio emergencial servir de combustível para a atual escalada inflacionária. A alegação é que o benefício concedido em bases fiscais contestáveis seria rapidamente consumido pela alta dos preços e dos juros ‒ ou seja, em vez de um ativo eleitoral, poderia se tornar um ônus político.

Outra preocupação reside na pressão por retirar os precatórios do teto de gastos ou em possíveis mudanças nos mecanismos para permitir os pagamentos fora do subteto de R$ 39 bilhões.

Um terceiro risco levantado por analistas para a tramitação do texto poderia abrir um espaço de cerca de R$ 40 bilhões no Orçamento do ano que vem a partir da mudança da metodologia de cálculo do teto de gastos. Hoje, a regra fiscal é calculada a partir da inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado em 12 meses até junho.

Duas semanas atrás, o governo federal e o Congresso Nacional acertaram um caminho para solucionar o pagamento de precatórios em 2022 diverso ao do parcelamento originalmente proposto pela PEC em tramitação.

A saída, anunciada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), estabelece um “subteto” para tais despesas – que no ano que vem seria de R$ 39,9 bilhões. O excedente passaria por um processo de negociação extrateto, ao passo que o montante em que não haveria acordo seria adiado para 2023.

A proposta de criação de um limite específico para o pagamento de precatórios, anualmente reajustado pela inflação acumulada (como as demais despesas sujeitas ao teto de gastos), vinha sendo costurada por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas travou em meio à percepção de risco de insegurança jurídica.

Pelo entendimento, haveria até sete possibilidades de negociação das dívidas judiciais que seriam roladas para o ano seguinte (o que significa que poderiam ser pagos fora do teto de gastos, havendo consenso entre as partes):

-Quitação de débitos inscritos em dívida ativa do mesmo ente, inclusive em transação resolutiva de litígio – o chamado “encontro de contas”;

-Compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente;

-Pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;

-Aquisição, inclusive minoritária, de participação societária do respectivo ente federado;

-Compra de direitos do respectivo ente federado, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo;

-Recebimento imediato do montante devido com desconto de 40%;

-Parcelamento em dez prestações, corrigidas pela Selic, sendo a primeira parcela de 15% do valor devido e as nove parcelas restantes em valores iguais.

A ideia é que todos os pagamentos feitos dentro dessas alternativas ocorram à margem do teto de gastos. Na prática, a medida permitiria a ampla negociação dos precatórios. Caso não haja acordo entre as partes, o pagamento será feito no Orçamento dos anos seguintes, respeitando a regra fiscal.

Para os especialistas da XP, as atenções devem se voltar ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), visto como o possível fiel da balança, à medida que o debate evolui. Ela destaca uma mudança no discurso do parlamentar ao longo da semana.

“Até o começo da semana, depois de conversas com Bolsonaro e o ministro João Roma (Cidadania), Lira estava com uma tendência maior a defender uma prorrogação do auxílio por alguns meses”, afirmou na última edição do podcast Frequência Política.

“O discurso era de que não se podia deixar essas cerca de 10 milhões de famílias que não estão contempladas no programa social fixo e que hoje recebem auxílio emergencial. Em conversas fechadas, ele chegou a defender essa tese”, disse. Mas, ao longo da semana, moderou a fala depois de contatos com integrantes do Ministério da Economia.

“Ainda precisamos ver qual vai ser a posição mais formal de Arthur Lira, se ele vai deixar que algum tipo de mecanismo seja incluído na PEC dos Precatórios para autorizar a edição de mais crédito extraordinário para financiar a prorrogação de auxílio ou não”, completou a especialista.

A essa altura do campeonato, todos os grupos dentro do governo já respiram as eleições de 2022 e o pleito será a principal variável considerada para a resolução do impasse.

“Mesmo o argumento do Ministério da Economia é reconhecendo que o objetivo do governo é chegar mais forte em 2022. Os dois lados tratam o que pode ser melhor para a eleição. O ponto de consenso é que o presidente vai fazer o que for preciso para melhorar suas chances de se reeleger”, destaca Paulo Gama.

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